sábado, 12 de abril de 2008

Seu Antônio

Seu Antônio é uma pessoa bem simples. Olhar profundo, do tipo que reflete na falta do brilho o peso das dificuldades que a vida sempre foi para ele. Mas como reflete se não há brilho? Coisas da alma, caro amigo... E se observá-lo atentamente, pode-se perceber a leve curvatura de seu corpo, leve de se observar, mas extremamente pesada em seus significados.



Estudou até a quarta série e parou... Casou-se... Teve sete filhos... E foi calculando as metragens, de obra em obra, ora carregando cimento, ora acertando arestas que foi levando a vida. Bom observador, aprendeu a medida das coisas abstratas, dos sentimentos humanos, da discórdia, da discriminação por causa de sua origem e de sua cor. Hoje orgulha-se em dizer que nunca permitiu que um filho carregasse uma lata de cimento, nem para ele, nem para qualquer um. "Quero um futuro melhor para eles".



Voltou a estudar, curso noturno, sempre acompanhado pelo cansaço físico e emocional. Completou até a sétima série. Não deu conta de terminar a oitava. Faltava pouco. Mas por sua experiência de vida e por sua habilidade no trabalho, foi chamado para trabalhar em uma cidade próxima. A vontade de estudar permaneceu, mas o que muitos chamam de "capitalismo" venceu.



Na reunião de pais, muito preocupado com seu filho mais novo, seu Antônio deu depoimento de vida e com extrema habilidade e profunda sensatez, disse para outros alunos, filhos de outros pais, pais e professores, que ao longo de seu caminho pela vida, ele descobriu que todos os acessos no conduzem para a individualidade. "O mundo é individual e todos nós estamos sozinhos. O que pude fazer pelos meus filhos eu fiz, mas no íntimo, estamos todos sozinhos. Aproveitem a oportunidade agora para estudar".



Extremamente duro, porém, com delicadeza de pai, fez com que todos ali naquela sala, se emocionassem profundamente...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Isso acontece sempre...

Vivemos, as vezes ou quase sempre, para ou pelas lembranças que guardamos a sete chaves ou cultivamos em jardins abertos a obervação de todos. Délio, um amigo de infância, contou-me, enquanto eu dava uma carona, que suas lembranças são, ao mesmo tempo, fonte de prazer, tristeza, conflito, harmonia e certeza de solidão. Enquanto dirigia pela estrada de Sabará, fiquei mentalmente organizando minhas lembranças, colocando-as em seus devidos lugares, talvez pretendidos apenas por mim. Enquanto ele falava, de súbito o interrompi com a seguinte frase: "Talvez depois da morte possamos resgatar todas essas lembranças, habilitando-as a liberdade". Com olhar atônito, Délio exclamou quase em sussurro: "ou talvez a dependência absoluta de nossas vontades egoísticas"... ficou apenas o som dos pneus traçando suas linhas no asfalto...