segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Isso aconteceu em meados da década de setenta

Lembro-me das manhãs frias e chuvosas. Sair da cama naqueles dias era uma tarefa que parecia impossível. Em uma destas manhãs, logo depois de me arrastar da cama e parar na sala sem saber como, vi pela janela uma coluna de fumaça preta, que parecia vir da direção da escola onde estudava. No fundo do meu ser desejei que fosse realmente ela e fiquei feliz por isso. Comentei com meu pai e ele me condenou com aquele olhar, sobrancelhas levantadas, frisos na testa e o canto da boca esticado, pronto para me dar uma bronca. Foi uma maldade para o bem, o meu bem estar, não queria ir à aula. Na verdade, era o Pão de Açúcar Jumbo que estava em chamas... Isso aconteceu em meados da década de setenta. Fui à aula naquele dia e em muitos outros também. E hoje, são essas aulas que me sustentam...

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ora verde, amarelo, vermelho

Por um breve momento, pude acreditar na capacidade de controlar o tempo. Cada luz que se acendia provocava um efeito sombra/luz diferenciado, fazendo com que minha visão percebesse nuances diferentes em cada parede do apartamento.

O amor é um jogo feito para se perder sempre. Enquanto tentamos parar o tempo, conseguir uns segundos a mais para pensarmos melhor, os ponteiros já deram conta de toda a casa.

Passei boa parte da noite observando a janela. O sinal de trânsito combinava as cores num rítimo constante. Ora verde, amarelo, vermelho. Noutra, vermelho, verde, amarelo. Os carros passavam sem notar que eu os observava. A luz avermelhada dos postes dava um tom nostáugico as ruas.

Quando fui embora naquele dia, saíndo por uma porta e retornando por outra, quis cercar de possibilidades nossos encontros. Mal sabia eu que ficaria por muitos anos com este olhar perdido, cansado e sem esperanças...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

I want to fly, and never come down

Quando a porta se abriu meu coração parecia saltar do corpo. Talvez tenha saltado, em fração de segundos posso tê-lo perdido, mas seu abraço o sustentou em seu devido lugar. Ouvi sinos, harpas, valsas, orquestras e todo tipo de música possível naquela confusão de sentimentos que me arrebatava de forma incondicional. O fechar da porta, o sorriso sem jeito, os lábios que se tocavam, o roçar dos corpos, o bailar dos passos, nada, mas nada pôde com aquele coração em disparada. “Oh yeah, your skin, turn into something beautiful, do you know? You know I love you so”.

O sorriso continuou em meus lábios por muitas horas e meus olhos brilhavam de felicidade. Ofereci vinho, ofereci carinho, ofereci amor... Quis acompanhar sua dor, segurar suas lágrimas, abraçar seu corpo quando cansado, sustentar-te quando sozinha... "Look at the star, look how they shine for you”.

Mas o que foi que eu disse?! Acho que fui tão estúpido e egoísta. “I lost my head, the thought of all the stupid things I’d Said, and I never meant to cause you trouble, I never meant to do you wrong, and ah, well if I ever caused you trouble, Oh, no I never meant to do you harm”.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Deixar minha mente se perder por aí...

O sol ainda se mantém forte, apesar das horas avançarem por meu relógio de pulso, são 19h30min. As vidraças dos prédios mais próximos refletem os raios do sol, que invadem minha sala, no décimo primeiro andar. Ouço Kings of Convenience, Weight Of My Words, repetidas vezes ou o suficiente para esvaziar minha alma.

Apertada entre as silhuetas dos prédios, vejo uma torre de igreja, tentando respirar entre o desassossego do concreto a sua volta. O céu ainda azul abriga algumas nuvens amareladas, espaçadas, que divagam sob o firmamento.

Acho que vou descer para fumar um cigarro. Andar um pouco sem rumo. Sentir o cair da tarde que invade indecorosamente a noite. Deixar minha mente se perder por aí...


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

São borboletas?

O que é isso tatuado em você?
São borboletas?
Frágeis, dóceis e livres...
Como se segura algo assim?

Por onde eu for quero ser seu par

Se eu tivesse mentido ou pelo menos omitido... quem sabe talvez sido hipócrita e dito o que deveria ser dito... mas não faz diferença, pelo menos agora, nesse momento não!

Por vezes revirei-me do avesso, como acrobatas, malabaristas, artistas de circo, só não possuía a cara pintada, nem o nariz de palhaço, talvez não, mas tentei ser o mais transparente possível. Mas não é isso que os outros gostariam que fóssemos, e para falar a verdade, nem nós mesmos...

Outro dia eu ouvi esta música:

"Já me fiz a guerra por não saber(me leva amor)
Que esta terra encerra meu bem querer(amor)
E jamais termina meu caminhar(me leva amor)
Só o amor ensina onde vou chegar(Por onde eu for Quero ser seu par)".

Talvez se eu tivesse dito o que deveria, mais sensato seria se eu fosse mais flexível, como sou agora, curvado como o galho tenro que não suporta o próprio peso de tanto apanhar do vento autoritário...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Bobagens terapêuticas e inclusivas

Toda reunião pedagógica pós férias de 45 dias é traumática. Retórica assertiva do que já sabemos, inclusive do que no ano anterior não queremos mais discutir, mas ainda alguns insistem em retomar a fala, tocar a ferida e continuar em evidência. Isso... deve ser isso mesmo o que muitos precisam, estar em evidência o tempo todo...

O mais constrangedor é a fala usada pelos novos professores. Decoradas, ensaiadas, amareladas, o que estamos cansados de saber que ao final, não terão mais forças para ser mantidas. E no debate dos pontos negativos e positivos do ano anterior, sobressaiu o fato dos professores terem sobrevivido ao final do ano letivo...

Costumo dizer que não sou professor e sim educador, mais pela minha visão educacional e também pela minha formação, mas nessa reunião, escutei um professor dizendo, além de muitas outras bobagens terapêuticas inclusivas (recheadas de verdades arrogantes e presunçosas), que se considerava um educador e não um professor, definiu ambos e, contraditoriamente, disse ser do tipo antigo, linha dura. Acho que vou repensar em definições e rotulações.

Depois disso, no período da tarde, passei cerca de duas horas sendo entrevistado pela equipe de psicologia e serviço social do Fórum. Tudo porque há quatro anos eu resolvi pedir a guarda de um dos meus filhos a minha ex-mulher e ao abrir um processo, outros tantos foram abertos por parte dela, processos sem méritos, confusos, dinheiro público sendo gasto para nada. Realmente nada, porque nada aconteceu até hoje.

Depois de horas fazendo o exercício de recordar, e desta vez, com provas e documentos, não seria estranho sonhar o insólito durante toda noite.

No sonho, eu estava em uma rua sem saída. De um lado seres estranhos que emitiam luz azul, como aqueles aparelhos usados pela polícia para dar choque e do outro estava a minha ex-mulher com uma pilha de processos, acompanhada de alguns professores linha dura e uma multidão de alunos sem rostos a correr em todas as direções (algo como o vídeo do Pink Floyd).

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Somos babás com graduação, pós-graduação e mestrado

Voltei ao trabalho hoje. Não com alunos, mas reunião pedagógica. Acordei às 5hs e ainda estava noite. Que deprimente. Arrastei-me ao banheiro, tomei uma ducha, fiz a barba, que estava maior que o próprio cabelo, tomei meu café e saí de casa apressado para pegar o ônibus que passa exatamente as 6hs.

A viagem dura aproximadamente 50 minutos. Enquanto ouço meu mp3, por acaso, The Strokes, contemplo a escuridão deste ordinário horário de verão. Passa as praças, viadutos... Tudo em silhuetas sombrias e horríveis. Toco "Is this it" por mais de três vezes. Obsessão pelo baixo tocado de forma arrebatadora, criativa, impulsiva e alegre, embora a melodia nos deixe um pouco depressivos. Passada a fase da mania repetitiva, deixo rolar as outras músicas, até chegar outro impulso obsessivo: "Last Night", batidas rápidas, vocal distorcido meio desesperançado, enquanto todos se sentem "Down". Dependendo da paisagem que vejo da janela do ônibus, toco esta última por umas 2, 3 ou 4 vezes, mas logo vem a próxima, um riff de bateria e guitarra que nos introdruz ao mundo dos conflitos entre ser, não ser ou querer ser e um riff é arrebatador...

Mas minha viagem é demorada e dá para ouvir todo o cd. Enquanto as músicas tocam, vou observando as pessoas que viajam comigo, ou pelo menos no mesmo ônibus que estou. São pessoas simples, trabalhadoras, que saem de seu bairro distante para trabalhar no centro da capital. Ao contrário, eu saio do centro da cidade para trabalhar onde eles estão deixando. De certa forma cuidamos dos filhos dos outros. Somos babás com graduação, pós-graduação e mestrado.

Neste momento faço duas viagens. Uma com o corpo inerte, deslocando pelo espaço dentro do ônibus e outra tentando descobrir o indescritivel de cada rosto que alí está, olhando o meu possível balanço quando o refrão de "Barely Legal" começa a tocar. Não tem como ficar parado. A música circula sobre si mesma e nos remete aos loops de montanhas russas imensas e aterrorizantes.

Em um determinado momento da viagem, todos os passageiros descem e no ônibus ficam uns pingos de três ou quatro pessoas, incluindo eu. É nesse momento de quase solidão andante, que inicia a melhor música deste CD, "Trying Your Luck". A letra é fraca, mas a melodia combina melancolia e rítmos disco/pop/indie/rock, acrescidos de um solo de guitarra simples, direto, delicioso, que tirei no meu violão elétrico Eagle...

Ao final da viagem, descobri que tudo é solidão. Somente eu ouvi e pude curtir todas as sensações que as músicas podem nos trazer.

Mas todos estão preocupados com seus próprios problemas e que são tão problemáticos quanto os de qualquer um...



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Passarinhos em forma de mangas rosadas e suculentas?

Família em geral é uma forma de relação social muito estranha. Para não dizer bizarra. O que não fazemos para que todos aqueles encontros, sejam eles, semanais, dominicais, festivos, etc., saiam da melhor forma possível? Ou seja, sem brigas, ofensas, rancores, disputas, pequeno universo dos pecados capitais.

O firmamento em que se assenta a minha já se esfacelou. Planetas colidiram saindo da rota... O que fazer? Se afastamos de uma, aproximamos de outra, e às vezes, de forma perigosa. Se amantes, não somos amados, se desejamos, não somos desejados... Dilemas que enfrentamos cotidianamente, inclusive em sonhos...

Esta noite sonhei com minha família. A original.

Estava correndo pela avenida como se eu fosse o carro. Os ônibus passavam por mim tão perto e rapidamente que metiam medo. Levantei-me e corri, agora usando os próprios pés. Meu filho me conduzia, queria me levar à casa de minha mãe, que há muito eu não via. Contudo, ela tinha comprado uma terceira casa, e essa eu não sabia o endereço.

Chegamos então ao pé de um morro, onde as casas se amontoavam formando um espectro de tijolos e concreto indivisíveis. Frio, seco, cinza... Subimos por entre as passagens estreitas, por dentro de casas. Em uma delas, cumprimentei uma senhora que estava no sofá assistindo televisão. Passei pela cozinha, entrei no banheiro e saí por uma porta em um quintal.

Neste quintal, avistei a casa de minha mãe. Parecia a roça que íamos quando criança. Estas cidades pequenas à beira das estradas que contam apenas com dezenas de habitantes.

Minha mãe ficou sentada em uma cadeira do lado de fora e não se levantou quando eu cheguei. Entrei na cozinha, não sei para quê e comentei ao ver tantos equipamentos eletrônicos modernos, não sei o quê. Nos meus sonhos geralmente os diálogos escapam...

Mas algo no quintal chamou minha atenção. Duas caixas de sapato. Quando me aproximei, minha mãe mandou abrir uma delas. Havia um animal raro. Vários. Eram aves que pareciam mangas rosadas e suculentas. Minha nossa?! Passarinhos em forma de mangas rosadas e suculentas? Percebi o formato das asas e da cauda. Eram de um amarelo rosado tão intenso que me assustou. Quando abri a outra caixa, outros pássaros havia lá dentro. Mas estes estavam cinza e sem cor. Não me interessei e quis fechar.

No entanto, não consegui fechar. Eles cresceram e ficaram como os outros da primeira caixa. Pareciam agora mangas suculentas. Eu tentava desesperadamente fechar a caixa, mas eles saíam por todos os lados. Um deles me olhou atentamente e tudo se resumiu naquele olhar. Um pássaro em forma de manga com olhar meigo e ao mesmo tempo assustador. Os olhos eram de uma cor negra intensa e brilhante. Parecia carente e desprotegido. Quando de repente, o bico da ave transformou-se em uma pequena ducha cinza que ao invés de soltar água, sugava... Parecia ventosa... Aquilo sugou a ponta do meu dedo e ao soltar deixou pitadas de canela e pimenta do reino em pó.

Foi quando meu irmão chegou e fingiu que não me conhecia. Voltei para a rua e continuei andando pelo asfalto...